terça-feira, 9 de agosto de 2011

Cogumelo que cura

Substâncias extraídas do cogumelo do sol poderão ser usadas no combate à leishmaniose. Medicamento desenvolvido a partir do fungo mostrou-se mais eficiente que os tradicionais no tratamento da doença em camundongos.
Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais identificaram no cogumelo do sol substâncias capazes de combater a leishmaniose. (foto: William Régis/ Minasfungi)


Um famoso cogumelo pode ser a mais nova arma na luta contra a leishmaniose. O Agaricus brasilienses, conhecido popularmente como cogumelo do sol, contém substâncias que combatem essa doença, que matou cerca de quatro mil pessoas no Brasil em 2009.
A descoberta é de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em parceria com a cooperativa Minasfungi do Brasil Ltda, eles produziram um medicamento a partir do fungo para uso no tratamento da leishmaniose.
Normalmente negligenciada pelos grandes laboratórios farmacêuticos, a leishmaniose é causada por protozoários do gênero Leishmania, que são transmitidos ao homem pelo mosquito-palha após picar cães ou roedores infectados. A doença se manifesta de duas formas: a visceral, que afeta órgãos internos como fígado e baço; e a cutânea, que acomete a pele e as mucosas. Em casos mais graves, a forma visceral pode levar à morte e a cutânea, a lesões que desfiguram os pacientes.
Em 2009 foram registrados no Brasil 3.693 casos da leishmaniose visceral e 21.824 da cutânea
Segundo levantamento feito pelo Ministério da Saúde, em 2009 foram registrados no Brasil 3.693 casos da leishmaniose visceral e 21.824 da cutânea. Atualmente, o tratamento da doença é feito com medicamentos injetáveis chamados antimoniais pentavalentes.
Mas esse tipo de medicação pode gerar efeitos colaterais graves – como problemas cardíacos, hepáticos e renais –, em função de sua toxicidade elevada. “Além disso, há sempre o risco de recaídas”, acrescenta um dos coordenadores do estudo, o imunologista Eduardo Antonio Ferraz Coelho, do Colégio Técnico da UFMG.



Remédio mais eficiente

 

O novo medicamento, que será administrado por via oral, é composto por substâncias isoladas do cogumelo do sol. “Ao que tudo indica, elas são específicas do Agaricus brasilienses”, afirma Coelho. Em uma primeira fase de testes, a formulação farmacêutica desenvolvida pela equipe da UFMG eliminou cerca de 90% dos parasitas em experimentos in vitro.
Testado em camundongos, o remédio eliminou todos os parasitas no baço dos roedores e um grande número deles em outros órgãos. Segundo o pesquisador, o medicamento mostrou uma resposta melhor em comparação aos fármacos tradicionais usados no estudo, que reduziram uma quantidade satisfatória, mas não tão grande, de parasitas.
A nova substância obtida pelos pesquisadores também é capaz de preservar os macrófagos, células de defesa do corpo humano e que são as principais infectadas pelo parasita causador da leishmaniose.
No tratamento tradicional, a ação dos medicamentos não se restringe aos parasitas e pode destruir também as células normais. “Isso pode causar uma redução temporária de imunidade e deixar o paciente suscetível a outras doenças”, explica outro coordenador do estudo, o imunologista Carlos Alberto Pereira Tavares, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.
Além disso, o medicamento desenvolvido na UFMG deverá ter um custo menor. Segundo Eduardo Coelho, o tratamento atual é caro e as doses de medicamentos custam em média entre 100 e 150 dólares. “A produção de um remédio nacional e proveniente de um alimento irá baratear o tratamento”, avalia o pesquisador Wiliam César Bento Régis, da empresa Minasfungi do Brasil Ltda.

Os cães são os principais hospedeiros dos parasitas causadores da leishmaniose, como o protozoário ‘Leishmania tropica’. (foto: Yutaka Tsutsumi/ Fujita Health University School of Medicine)

“Para cada caso humano de leishmaniose, há cerca de dez mil casos em cães”, afirma Eduardo Coelho, acrescentando que o fato de muitos animais não manifestarem sintomas dificulta o controle da doença. Diante dessa alta taxa de infecção, os cães são um dos alvos prioritários para frear o contágio da leishmaniose.
O cogumelo do sol é classificado pela Agência Nacional de Saúde como um alimento nutracêutico, nomenclatura para produtos nutricionais que alegam ter valor terapêutico. O fungo é utilizado popularmente em alguns países para tratar doenças como a hipertensão arterial e o diabetes. Mas, segundo Coelho, ainda não há comprovações científicas de sua eficácia.
O pesquisador também ressalta que, na forma como é comercializado, o cogumelo não combate a leishmaniose. “Ele só se torna efetivo após os processos bioquímicos que realizamos em laboratório”, adverte. A previsão é que o medicamento esteja disponível no mercado daqui a cerca de três anos.