domingo, 31 de julho de 2011

Emaranhamento quântico na biologia. Será?

Estudos mostram que as leis da mecânica quântica também valem na natureza, extrapolando assim o campo da física e invadindo a biologia. Entender melhor essas leis é essencial para o desenvolvimento de computadores quânticos. (montagem: Sofia Moutinho)


    Durante muito tempo acreditou-se que as estranhas propriedades da mecânica quântica se restringiam ao mundo físico microscópico. Descobertas recentes mostram que não é bem assim. Carlos Alberto dos Santos aborda o tema em sua coluna de julho. 


    Em seu maravilhoso livro O que é vida? O aspecto físico da célula viva, o físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961) refere-se aos organismos multicelulares como a “mais requintada obra-prima já conseguida pelas leis da mecânica quântica”. Frente a recentes observações de efeitos quânticos na natureza e em seres vivos, não podemos deixar de apreciar o caráter premonitório da sua frase.
O tunelamento quântico, tema explorado e explicado na última coluna, está indiscutivelmente presente em processos bioquímicos e é consequência da dualidade partícula-onda, um dos grandes mistérios da natureza para o físico estadunidense Richard Feynman (1918-1988).
   Outro fenômeno que se vale da dualidade partícula-onda é o emaranhamento ou entrelaçamento quântico, o fermento de um intenso debate na comunidade científica a respeito de sua observação em sistemas biológicos. Trata-se de uma propriedade ainda mais complexa e menos intuitiva do que o tunelamento e de cujo controle depende, por exemplo, o desenvolvimento da computação quântica.
    Nas condições em que a matéria deve ser tratada sob a ótica da teoria quântica, cada partícula (elétron, próton, átomos, entre outras) é caracterizada por um conjunto de propriedades, intrínsecas (spin) ou circunstanciais (por exemplo, posição, velocidade e interação com outras partículas). Tais propriedades determinam o que se denomina de estado ou nível quântico, geralmente representado em termos de energia.
    Quando duas dessas partículas interagem (não interessa aqui a que tipo de interação nos referimos), os dois estados quânticos se misturam, resultando em um novo estado composto pelas duas partículas (vamos supor o caso simples de apenas duas partículas). Tecnicamente se diz que houve uma superposição dos estados das partículas individuais.

Quando duas partículas estão emaranhadas, elas perdem suas características individuais e passam a funcionar como um único sistema. Se não houver ruído, a interação continua mesmo quando estão separadas por longas distâncias. (imagem: Miroslav Kostic/ Sxc.hu; montagem: Sofia Mountinho)

    Esse estado composto, ou emaranhado, é tal que as informações individuais das partículas são perdidas. O emaranhado quântico representa o conjunto e reflete apenas as correlações entre os seus componentes. O que diz a teoria quântica é que essa correlação continua mesmo depois que as partículas são separadas. Uma tese bem conhecida e controvertida é de que a correlação é preservada mesmo que a separação seja infinita.
    A propriedade necessária, mas não suficiente para a existência do emaranhado, é essa correlação quântica. O problema é que a correlação ou coerência quântica é muito instável, depende fortemente da temperatura e do meio ambiente, que geralmente funciona como um sistema ruidoso.
    De modo um tanto ingênuo, podemos dizer que o aumento de temperatura ou do nível de ruído provoca a perda do estado de coerência quântica, fazendo desaparecer o emaranhado. Essa grande sensibilidade tem sido a principal barreira para o aproveitamento tecnológico do emaranhado quântico.